18 janeiro, 2009
16 janeiro, 2009
No meu prédio
No meu prédio já ninguém se encontra nas escadas de serviço, já nada é proibido. Quem espreite pela janela não vê ninguém a subi-las duas a duas ou a descê-las em surdina, acompanhado. Encontram-se nas saídas do metro, à porta de casa, nos carros, onde há lojas abertas e balbúrdia.
17 outubro, 2008
Ao lume
É possível ferver sem água. Nem pouca, nem muita.Sentam-se no metro, uns ao pé dos outros. A das tranças miudinhas pelo cabelo meteu-se com a das feições maias e voz aguda. A primeira limava as unhas mal pintadas
-Em plena carruagem !
As mulheres arranjam problemas por nada.
-Há hábitos intoleráveis, limar as unhas em plena carruagem !
Péssimo lugar para me ter sentado...
A das tranças miudinhas usava a lima para ameaçar a outra.
-Detesto que me invadam. Evidenciando-se despoletam a imaginação. Teria armários em casa, cheios de panelas, com os pratos meios lascados, os copos às flores? Tinha armários de certeza, com tupperwares e essas coisas, umas em cima das outras.
-Para que é que estou a pensar nisto ?
Finalmente saí, as vozes elevavam-se nas minhas costas.Ouvem-se e vêem-se impropérios, quatro ou cinco homens na hora de almoço.
"A menina desculpe, eu não disse nada de mal!"
- Em plena rua !
Como é que não havemos de saltar para a vida das pessoas, quando nos invadem?
-Detesto!
Os desconhecidos também fazem anos e dão abraços aos amigos. Têm Natal, às vezes morre-lhes alguém de família, outras vezes choram nos filmes. Armários com pratos, comandos da televisão sem pilhas.
- É preciso falarem alto ?
Finalmente a chave na porta, coisas no tapete da entrada.Nem todos os estranhos são assim.
- Boa tarde, vai descer ?
Mora no 5º Esq e não faz barulho.
- Vou sim, faça favor.
English and Sciences
Devagarinho, evitando que a sua desatenção fosse notada, rodou-se na cadeira, até ficar de costas para a sala barulhenta e com o vento a desalinhar-lhe o cabelo pelo fundo das costas.
Imaginou-vos sentados lá fora, naquelas duas cadeiras de ferro com a luz a iluminar o verde da relva do jardim. Era de noite, escrevinhava quase freneticamente desenhos geométricos numa folha de linhas e só queria que o dia acabasse.
Mas o barulho, o vento e as manchas de tinta de caneta valiam a pena, às terças e quintas.
Sentados, tu com as mãos apoiadas nos lados da cadeira antiga, de ferro, com a tinta a saltar. Sentados ou mesmo de pé, debaixo da luz, com os pés no verde, quatro a quatro.
Voltando-se para a conversa que deixara, reparou que te sentaras exactamente como havia imaginado, mãos apoiadas de lado, os olhos em ti. Faltava a relva nos pés, mas decidiu deixar isso para a próxima terça. Ou quinta.